Mariluce, filha única, sempre foi fascinada por famílias. Principalmente depois que sua mãe morreu quando ela tinha apenas 9 anos. Ela não lembrava mais a causa da morte, mas tinha vergonha de perguntar e demonstrar que fora capaz de esquecer de um detalhe tão essencial para a sua própria história.
Para compensar a perda, seu pai estimulava que a menina criasse vínculos afetivos com animais. Cachorros, gatos, peixinhos, coelhos, passarinhos, ratinhos, pintinhos... A menina se encantava com os filhotes. Mas enjoava quando os bichinhos cresciam. E logo era presenteada com um novo filhote.
Quando Mariluce ficou mocinha, lá pros seus 12 anos de idade, seu pai ficou sem saber como agir. Queria que a menina entendesse o funcionamento das coisas, mas era incapaz de ser o mediador de tal aprendizado. Foi adiando, adiando... E Mariluce apareceu de mãos dadas com um menino.
- É seu namoradinho?
- Não, papai. É meu filho.
O tal filho, era um molequinho barrigudinho e fedorendo, como todas as crianças da idade dele. Mariluce realmente aparentava ser mais velha, mas é porque meninas crescem antes dos meninos no comecinho da puberdade.
Tal incidente intrigou o pai. Depois de alguns dias refletindo, decidiu botar a menina pra assistir documentários de Biologia. E saía da sala. Foi assim que Mariluce entendeu as coisas. E quanto mais os hormônios avançavam em seu organismo, maior era o espírito materno. Era um desejo cada vez mais incontrolável, inexplicável, de ser mãe.
Aos 14 anos, decidiu pôr em prática o ritual de fabricação de bebê. Não se preocupou com as consequências, nem com a bronca do pai, nem com nada. Só queria engravidar e ser mãe. Convocou um menino de 11 anos, punheteiro, para assumir o papel de pai. Marcaram para antes do horário da aula, quando não havia ainda ninguém no colégio.
Mas a tentativa fracassou. O menino se lambuzou todo antes mesmo de começarem qualquer coisa. Mariluce concluiu que era por isso que os pais eram sempre mais velhos do que as mães. E resolveu pensar num novo plano.
Fez 15 anos e ganhou um baile de debutante todo pomposo. Dançou valsa, usou vestido branco... Na sua imaginação, era uma noiva. Agora que passara pelo ritual do vestido branco, enfim seria mãe. E não precisou de muito. Desapareceu numa brincadeira de pique, bem no meio da festa. Mariluce encontrou o tio de uma amiga, um senhor levemente grisalho, bêbado, deitado num banheiro mais afastado. A casa de festas era grande, mas o baile estava concentrado no outro lado da construção. A debutante pulou em cima do bêbado, levantou o vestido e perdeu a virgindade ali mesmo.
O tiozão estava bêbado demais e aquilo só serviu para contar como primeira vez mesmo. A coisa não "fluiu". Mas Mariluce curtiu a possibilidade de ser mãe por alguns dias. Encantada, fez questão de voltar ao tal banheiro antes de ir embora da festa. Até mesmo procurou no chão pela tal da virgindade perdida.
Mariluce foi crescendo e ficando cada vez mais preocupada com a maternidade. Tentava e tentava, em vão. Trocava de parceiro, trocava de estratégia... Mas nada funcionava. Seu desespero era tanto, que acabou por espantar todos os namorados e candidatos a. E continuou sozinha.
Depois dos 25 anos, ficou ainda pior pra conseguir uma companhia masculina. Principalmente porque não conseguia deixar de falar - desde o primeiro encontro - da sua vontade de ser mãe. E também tornara-se mais seletiva: escolhia os homens de acordo com as características físicas, a fim de proporcionar a melhor combinação genética para a criança.
Os anos se passaram e Mariluce ainda era uma solteirona quando chegou aos trinta. A jovem balzaquiana lamentava profundamente por sua mão não ser capaz de fecundar seus óvulos. Era uma fantasia constante.
Certa vez, aos 33 anos, convenceu um amigo a tentar engravidá-la. Ele precisava de dinheiro e a oferta foi tentadora. Mariluce reuniu cerca de 16 simpatias em uma única noite. Tomou todas as providências possíveis, escolheu a data de acordo com a astrologia... O cara se entupiu de Viagra. Não porque Mariluce não fosse atraente. Pelo contrário, era lindíssima. O problema era a obsessão pela maternidade. Isso cortava o tesão de qualquer um.
Dois meses e quatro testes de gravidez depois, Mariluce resolveu iniciar tratamento para engravidar. Procurou o médico que fez a inseminação da Xuxa e deu um jeito de comprar esperma de um pagodeiro famoso que já tinha uns 7 filhos com sua esposa. "Um poço de fertilidade", suspirava.
Os anos passaram e nada. Até o próprio ginecologista tentou resolver o problema da mulher! Da forma tradicional, claro! A mulher pegava DST, mas não pegava barriga! E ela não desistia por nada!
A situação piorou quando se aproximou dos quarenta. A mulher passou a frequentar todos os tipos de orgia, fez filmes pornôs, pediu pra Deus, pro Diabo, pro Papai Noel... E nada.
Contrariando as expectativas, ela não enlouqueceu quando completou quarenta anos. Foi aos quarenta e um. Na verdade, nem dá pra chamar de "loucura". Mas o fato é que a mulher começou a achar que cada menstruação era uma criança. Foi assim que Mariluce começou a personificar cada sangramento. Ela curtia sua gravidez de 28 dias, delirava de emoção com as cólicas do parto, e paria aquele riacho de sangue, lindo, orgânico, real. Ela dava nomes para todos os filhos, conversava com eles e foi se apegando tanto a esse tipo de relação maternal, que até mesmo esqueceu dos bebês. E virou mãe de seus óvulos. Ela sofria quando cada um deles partia. Mas chorava de alegria quando percebia que esperava outro. E Mariluce finalmente foi feliz. Por 3 anos.
Aos 44 anos, Mariluce entrou na menopausa. Foi a maior tragédia na vida daquela mulher. Não restava mais nenhum filho, nem a possibilidade de ter outro, nem bebê real, nem netinho, nem nada. A realidade estapeou agressivamente seu rosto suado e salgado. A vida perdera o sentido. Não havia nada de errado com seu corpo. A criança simplesmente não veio. E não viria mais. Desde então, Mariluce sumiu. Ninguém sabe, ninguém viu.