Um monte de caracteres. Pra dar preguiça de ler.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Digerindo o capitalismo e as boas intenções da classe média engajada

Eu sei que existe toda boa intenção do mundo por trás da classe média que se engaja para defender políticas de esquerda. Eu sei disso!

O que me chateia é que essas pessoas se apegam a estatísticas, a histórias de desconhecidos, a discursos prontos... e não querem ver a realidade!

Esmola não dá qualidade de vida. Não dá esperança. Não dá dignidade. Qualquer tipo de assistencialismo, ao mesmo tempo que inegavelmente ajuda num primeiro momento, destrói a autoestima de quem depende dele. Ninguém quer precisar. Todo mundo quer ter condições iguais ou melhores para competir na selvageria do mundo. Quando uma pessoa inteligente insiste em defender que a solução para as desigualdades sociais está nas políticas assistencialistas, ela não percebe que está defendendo um padrão de existência no mundo no qual quem nasce em desvantagem não tem condições de competir com os privilegiados e, por isso, deve ser compensado. Se a sociedade não cansa de enfatizar que não dá para largar do mesmo ponto na corrida pelo sucesso, por que diabos alguém que sabe que não tem a menor chance perderia o tempo correndo? Como alguém conseguiria alimentar a esperança de vencer se já recebe o prêmio de consolação antes mesmo de tentar?

Pobre come pouco. Não se alimenta de 3h em 3h, nem com os alimentos da moda. Quando a situação aperta, não é impossível dar um jeito de comer. Seja através da generosidade de conhecidos (ou mesmo desconhecidos), por projetos que levam refeição aos moradores de rua, seja roubando alguma besteira das Lojas Americanas ou revirando o lixo do McDonald's no final do expediente. É possível ser bem pobre e não passar fome. Até porque o corpo acostuma com pequenas refeições espaçadas. A fome é proporcional ao quanto você come. Se você sente fome toda hora, é porque você come demais. Pobre aprende a viver com a barriga vazia sem reclamar. Acostuma.

Pobre também não tem essa história de feminismo. Toda garota pobre aprende ainda na infância que deve casar e ter filhos o quanto antes. Por muito tempo cheguei a questionar a validade dessa cultura, mas analisando friamente o incentivo para as garotas pobres casarem cedo, consigo encontrar uma série de motivos que dão muito sentido a essa prática:

1) Deixar o barraco pra trás. O que significa que vai sobrar mais comida e espaço pra quem fica;

2) Aproveitar a beleza da juventude para tentar fisgar um bom partido, como um coroa rico ou um jovem herdeiro ingênuo o bastante para se entregar a um amor fadado a dar preju;

3) Os filhos funcionam como garantia. Se a relação estremecer, servem para chantagear emocionalmente o maridão. Se tudo der errado, viram pretexto para arrecadar ajuda financeira de qualquer pessoa com algum coração. Com um pouco de insistência, em 12 anos passam a complementar a renda da casa. Para a mulher pobre, filho é patrimônio.

Terrível, né? Mas é assim que funciona. A pobre que não casa cedo tende a ficar solteirona. Ou, no mínimo, perde os melhores maridos disponíveis no mercado.

No fundo, tudo gira em torno da dignidade. Marido, filhos, casa, aparência... é tudo patrimônio!

Trabalho? Não, trabalho não é patrimônio. Trabalho é uma piada. Último recurso. Não compensa.

De que adianta vender sua vida para no final do mês não ter o suficiente para exercer plenamente o capitalismo? Salário mínimo não muda a vida de ninguém. Nem dois salários mínimos pagam as contas de uma casa no subúrbio! E olha que tem muito bacharel no mercado que não consegue ganhar 3 salários mínimos!

Quando você trabalha por um salário mínimo, o que você ganha, na verdade, é cansaço e desgaste emocional. Você se sente sem valor. E compensa isso comprando uma roupa mais cara, um celular melhor, um sapato melhor... Afinal, você trabalhou o mês inteiro! Você merece! Ou seja, você trabalha para se cansar e aumentar os gastos! No final do mês, a conta tá no vermelho do mesmo jeito.

Ah, mas pode trabalhar para pagar os estudos! Sim, pode. Mas só vai pagar mesmo, porque a disposição para estudar pra valer não vai rolar. Os professores vão ser compreensivos e vão deixar o pobre se formar apesar de tudo. Quando chegar a hora de arrumar o emprego de nível superior, o pobre vai se ver numa dinâmica de grupo, ouvindo as histórias de intercâmbio de seus concorrentes. Vai se comparar com eles e se sentir um lixo. "Que pessoas bonitas e inteligentes! Que roupas bonitas! Poxa, um dia quero ser assim também!"

O pessoal do RH sequer dá um feedback sobre a dinâmica.

As pessoas da dinâmica comentaram sobre uma festa que parece interessante. O pobre vislumbra que andar com as pessoas que são como ele quer ser pode ajudar a acumular capital social e içar ele até o mesmo patamar. Aí o pobre compra uma roupa tão bonita quanto a deles e vai na festa, que custa os olhos da cara. Ele descobre que consumidores têm direitos e que eles podem ser exigidos! Ele descobre que, disfarçado de classe média, até que ele faz sucesso na balada playba.

Acaba rolando um envolvimento amoroso na balada playba. Mas quando o pobre resolve falar onde mora, repentinamente, a pessoa muda. Entra numa de "amizade colorida"... Porque nunca se sabe, né? O pobre volta a se sentir um lixo. Mas não tem problema. É só continuar frequentando o mundo playba. Finja até conseguir ser um deles!

Um dia, alguém repara - em alto e bom som - que o pobre não varia muito as roupas. Começam rir disso por suas costas. E se questionam: "porque ele não investe mais na aparência?"

O engraçado é que o playba não aceita que o pobre é pobre. Porque rico adora falar que é pobre. Então presume-se que todo mundo tem algumas dificuldades financeiras porque extrapolou nas férias na Europa. Mas não é nada grave. O papai vai ajudar.

Então o rico conclui que, na verdade, o pobre é desleixado.

O rico nunca vai na casa do pobre porque é muito longe. O pobre faz viagens e mais viagens para acompanhar a vida social da galera playba. Começa a acreditar que também merece morar numa região mais nobre, com mais opções, mais segurança e melhores paisagens. Mas a conta não fecha de jeito nenhum!

Aí o pobre resolve deixar o barraco pra trás. E descobre que morava numa caixinha de fósforo. A casa não é muito grande, mas é digna. O pobre transborda de dignidade. Mas é preciso fazer alguns cortes.

Assim, o pobre para de sair, gasta menos com comida, compra ainda menos roupas e se frustra todo mês por se empenhar tanto no trabalho e não receber um salário digno.

A essa altura, o pobre nem cogita mais se aventurar na área em que se formou. Ele odeia seu emprego, mas está preso nele. Afinal, as contas não vão se pagar sozinhas.

A bola de neve de dívidas só aumenta e chega a um nível crítico quando o pobre sofre de burnout e perde o emprego.

"Saí de casa cedo demais."

O pobre decide dar um passo para trás e arrumar um barraco. Todos os conhecidos se chocam. O pobre se sente um lixo. Para se sentir menor pior, acaba alugando um buraco intermediário. Não é muito digno, mas não é na favela!

De lá, o pobre não sai mais. E o pobre começa a se divertir pela vizinhança.

O rico acha ótimo! "Ele redescobriu suas raízes! Toda cultura tem valor!"

O que o rico não entende é que o pobre NÃO TEM ESCOLHA. É obrigado a consumir o que pode pagar. Então é jogo gostar de cultura popular, afinal, é acessível. Se quiser se apropriar de culturas de elite vai arrumar um problemão: além de ser conhecido na vizinhança como o esquisitão, vai viver solitário e frustrado por não poder arcar com o estilo de vida que gostaria.

Merdas acontecem e o pobre acaba tendo filhos. O maior orgulho dele é que, apesar de tudo, ele não mora na favela. Só que as crianças da favela têm bibliotecas, aulas gratuitas de inglês, música, artesanato, informática, esportes... Orgulhoso, o pobre matricula seu filho numa escola particular acessível. Na real, a escola é bem ruim. Mas o pobre se sente bem ignorando esse detalhe e contando aos colegas do trabalho que seu filho estuda num colégio particular.

Chega o ENEM. Os estudantes da favela fazem cursinho gratuito. O filho do pobre tem que se virar com o que tem. O pessoal da favela ganha bolsa integral nas melhores universidades particulares se tiverem bons resultados. Alguns até conseguem entrar nas públicas aproveitando as vagas que sobram depois que todos os alunos dos colégios públicos de elite e todos os negros da classe média ocupam as vaguinhas das cotas. O filho do pobre tá fodido. Tem que disputar as vagas sem cota mesmo, porque seu pai foi idiota o suficiente para acreditar que pagar aquela escola de merda faria alguma diferença. Até fez, só que pra pior.

O classe média de esquerda, engajado, acha que a vida do pobre melhorou muito. Eu continuo vendo o mesmo que sempre vi: pobre não tem escolha, é mão-de-obra barata e só vai ter a chance de ser feliz quando aceitar de uma vez por todas que ele é mero figurante no mundinho protagonizado pelos ricos. Capitalistas que são, eles veem melhoras porque aparentemente mais dinheiro está circulando pelas mãos dos pobres. Só que eles não consideram que o capitalismo só é vantajoso para quem tem capital em excesso. Ter um pouco mais de dinheiro só te deixa com o gostinho amargo de imaginar o quanto deve ser bom estar no topo da pirâmide capitalista.

Dinheiro não compra dignidade.

Justiça social, só vai começar a existir quando o pobre tiver:

1) a garantia de que, não importa o que aconteça, terá onde dormir confortavelmente e com segurança (não, não estou falando de uma casa com vários cômodos);

2) um espaço para armazenar objetos pessoais (mais uma vez, não falo de uma casa com vários cômodos);

3) a possibilidade de tomar banho quente, com a devida higiene e privacidade, sempre que for necessário (não precisa ser um banheiro inteiro para ser seu 24h por dia - não passamos tanto tempo lá);

4) a possibilidade de fazer suas necessidades de maneira higiênica e com privacidade, sempre que for necessário;

5) a possibilidade de se locomover em seu país de maneira rápida, confortável e segura;

6) a garantia de obter diariamente os nutrientes e substâncias necessárias para a sua saúde;

7) atenção individualizada às suas emoções e necessidades pessoais (afinal, somos todos únicos);

8) acesso ao padrão de qualidade educacional que desejar, nas áreas do saber que desejar (ninguém quer aprender tudo sobre tudo!);

9) apoio para seguir a carreira que desejar, quando achar apropriado (quantos pobres desistem das carreiras que amam porque percebem que é inviável chegar lá);

10) 8 horas diárias de sono - e a possibilidade de abrir mão de parte delas para investir o tempo no que bem entender;

11) Atenção médica e respeito quando estiver doente.

Dinheiro não é necessário. O problema é que, se o pobre não precisar de dinheiro, não vai se sujeitar aos subempregos dos quais a classe média quer distância!

Ahhhh, então não convém mudar tanto assim, né? Vamos manter as pequenas ajudas em dinheiro, funcionando como iscas para atrair essas pessoas para o capitalismo selvagem. Afinal, de que adiantaria ter excesso de dinheiro num mundo em que o dinheiro não teria valor algum?

Na imaginação do rico, o pobre passa fome e entra para o crime porque a barriga tá roncando. Mas a verdade é que o pobre te vê com um IPHONE, acha maneiro e resolve que vai ter um também! Sabe quanto tempo levaria para ele conseguir um com o salário mínimo dele e abatendo as contas? É muito mais rápido e fácil roubar logo de você! Essa é a triste realidade!

Bom, ele também quer ter um carro como o seu, uma camiseta maneira como a sua, um tênis caro como o seu... E ele merece, afinal, ele é tão ser humano quanto você. Por que ele não pode?

Enquanto todos não puderem ter as mesmas oportunidades, não terá justiça. Os ricos precisam entender que dignidade vale muito mais do que dinheiro.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Mundo de Escher faz mágica no CCBB

Maurits Cornelis Escher nasceu em 1898 e viveu até 1972. Durante sua vida, produziu diversas gravuras explorando perspectivas, de forma a criar cenários impossíveis. O artista, ao explorar padrões matemáticos empíricos, produzia imagens tão surpreendentes que garantiram a ele a pecha de “ilusionista” ou “mágico”. Apesar de todo esse talento, o Escher só ganhou notoriedade com a popularização do movimento Op-art, no qual diversos artistas exploraram as mais variadas ilusões de ótica, durante a década de 1950.Apesar de sua obra não ser filosoficamente alinhada com o movimento, nem mesmo cronologicamente (Escher já produzia essas gravuras muito antes do surgimento da Op-art), suas gravuras acabam sempre sendo jogadas no mesmo “saco” dos op-artistas. Principalmente pela compatibilidade de conceitos intelectuais por trás dos trabalhos.

Outra face importante do talento de Escher foi o trabalho com padronagens (ou preenchimento regular do plano). O artista desenvolveu belíssimos padrões repetidos, com figuras inusitadas: cachorros, figuras humanas, peixes, lagartos, aves... Se considerarmos que a grande maioria das obras de padrões repetidos da história foram construídas com padrões geométricos simples ou ornamentos básicos geométricos e (principalmente) florais, o valor dos padrões criados por Escher fica ainda mais evidente. O principal destaque é da obra Metamorfose, na qual ele constrói uma narrativa de transformações de padrões em um mesmo plano. Como se estivesse debochando dos padrões mais simples, tais como os listrados, os de bolinhas ou quadriculados. Esse interesse do artista pelo preenchimento regular do plano surgiu durante uma viagem à Espanha, ao entrar em contato com os belíssimos mosaicos e azulejos árabes.

Particularmente, também desenvolvi um forte gosto por azulejos há alguns anos atrás. E minhas pesquisas sobre o assunto me levaram ao trabalho do Escher, meu artista gráfico preferido desde o primeiro contato com sua obra. Quando descobri que seus trabalhos seriam expostos no CCBB, fiquei extremamente eufórica. Mas acabei me frustrando com a exposição. Mais precisamente, com a minha experiência pessoal com a exposição, que foi completamente diferente das minhas expectativas.

De alguns tempos para cá, o CCBB (RJ) investe pesado na divulgação da sua programação: desde o livreto mensal, passando por todo o tipo de anúncio impresso, forte assessoria de imprensa e estruturada presença digital.E vale enfatizar o brilhante painel de lona na fachada do prédio. A intensa divulgação funcionou e agora o CCBB é freqüentado por pessoas que nunca cultivaram o hábito de visitar espaços culturais. Isso seria ótimo, se não fosse esquisito. Para atender ao novo público, as exposições forçam a barra para apresentar um lado lúdico/interativo. Como se a massa não fosse capaz de apreciar a arte estática. Para isso, criam-se instalações e aparatos tecnológicos interativos que não pertencem ao catálogo do artista. E esse “parque de diversões” funciona: as exposições do CCBB agora vivem lotadas. A grande maioria desse público dá mais atenção às instalações e aos “fru-frus” do que à obra legítima do artista. O que é decepcionante para quem quer apreciar o que “realmente interessa”. Foi assim na exposição do Islã e se repetiu com o Escher. No total, fui até o centro cultural por cinco vezes, em um intervalo de 2 meses, e só consegui entrar na exposição uma única vez. A experiência foi desagradável, pois havia fila na frente de cada obra, e até mesmo os corredores da exposição eram desconfortáveis. Uma movimentação típica de shopping em véspera de feriado. Não combina com centro cultural. No penúltimo dia da exposição, fiz a quinta (e última) tentativa. A fila estava pior do que nunca: dava voltas no interior e circundava toda a fachada do centro cultural.

Se por um lado é muito legal saber que as pessoas estão mais interessadas em arte, bate uma certa nostalgia dos tempos em que uma exposição era praticamente “minha”. Pode soar egoísta, mas acredito que a arte deve ser experimentada em um ambiente mais reservado. Talvez a solução seja ampliar o período das exposições. Ou reduzir um pouco a comunicação. O trabalho de M.C. Escher é incrível, mas optei por apreciar através dos livros. No fim das contas, a grande revelação dessa exposição foi a constatação de que algo precisa ser feito para melhorar a experiência daqueles que querem apreciar a arte. Exposição não é feira!

quarta-feira, 23 de março de 2011

Silvio Santos, o Pica-Pau doidão

Assim como alguns milhões de brasileiros, também cresci assistindo aos desenhos do Pica-Pau, na emissora daquele que todos gostariam de ter como pai: o Senor Abravanel. Na minha inocência de criança, eu achava que existissem duas séries separadas do Pica-Pau: a do pássaro normal e a do mesmo pássaro, só que doidão. Sendo que, pra mim, a versão "doidão" era muito chata.

Coincidentemente ou não, Senor Abravanel também incorpora dois personagens: o Silvio Santos normal e o Silvio Santos doidão. Mas como não ficam reprisando todos os programas do figurão, temos contato com apenas uma versão. E, atualmente, essa versão é a "doidão". Outra semelhança intrigante é em relação à "marca registrada": uma gargalhada peculiar.

O Pica-Pau normal também tem suas semelhanças com o homem do Baú "normal": os dois são personagens espertos, carismáticos e repletos de vigor. E só pra não deixar de citar, lembre-se que Silvio Santos é quase sinônomo de cabelo acaju, que é um tom de vermelho acastanhado.

Ao contrário do Pica-Pau, que começou doidão e fica cada vez mais sadio, Silvio Santos prova que é um ser humano como qualquer outro ao perder a lucidez com o passar dos anos, exatamente como acontece com suas boas e velhas colegas de auditório.

Desconfio que o segredo do Pica-Pau seja aquela fonte da juventude que ele comprou do Zeca Urubú. Infelizmente, Senor Abravanel não pode comprar uma dessas, nem com todas as suas barras de ouro (que valem mais do que dinheiro)!

O importante é que ambos os personagens, birutas ou não, marcaram a vida de muita gente. Fato que comprova que esse conceito de loucura é muito relativo. "Mais louco é quem me diz que não é feliz". Isso, sim!


Alguns vídeos para ilustrar:

Primeiro episódio do Pica-Pau (1941)


Pica-Pau vai às Cataratas (1956)


O clássico vídeo do Bambu


Silvio Santos biruta cai na água

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Publicitários: muy creativos

Este blog era pra ser o espaço onde eu publicaria meus textos maiores. Mas hoje convém deixar que as imagens falem por si. Atenção para o post anterior, no qual eu detalhei o processo criativo de um anúncio criado por mim, vencedor de um prêmio de criatividade em outubro do ano passado.

Mas veja só que coincidência! Não é que com a chegada de um novo ano letivo, algum publicitário teve uma ideia brilhante? Observe bem e desfrute do deja vu. E tire suas conclusões:




Meus parabéns à agência de Botafogo, responsável pela criação. Vocês não poderiam ter escolhido ninguém melhor para plagiar. ;)

Só me fodo

domingo, 4 de outubro de 2009

A história do prêmio

Sou uma aluna possivelmente com fama de turista. Ando um pouco desmotivada com a faculdade, com a impressão de que tudo seria facilmente resolvido em menos de um ano, mas que eles insistem em prender a gente lá por 4 anos (ou mais) por puro sadismo. Tudo bem. Acho que até poderia conviver com isso se não fosse pela presença obrigatória. É como se eles partissem do pressuposto de que seria impossível adquirir o conteúdo atribuído ao curso em qualquer outra fonte. Discordo, mas OK. Vou continuar me esforçando pra criar o hábito de dormir cedo e acordar cedo, e cursar meu bacharelado em Publicidade e Propaganda decentemente.

Aí apareceu o ECOPRESS na caixa de entrada, o tal do jornalzinho-spam que a gente sempre recebe, falando que as inscrições pro Prêmio Cid Pacheco estavam abertas. Eu tinha ouvido algum comentário sobre isso na faculdade, mas não me empolguei muito. Quando descobri que não precisava participar em dupla, me animei um pouco mais. É meio complicado trabalhar com outras pessoas quando existe uma barreira chamada DISTÂNCIA. E confesso que também não gosto de trabalhar com pessoas com as quais não rola muita empatia.

A partir da decisão de participar do prêmio, passei a visitar diariamente a página que disponibilizava o briefing, para assimilar os detalhes que eram exigidos e direcionar melhor os futuros brainstormings. Passei a anotar qualquer idéia ou associação no bloquinho que eu uso pra desorganizar as minhas anotações das aulas.

Faltando uma semana e meia pro deadline, aproveitei um tempinho que sobrou pra sentar no Arco-Íris da Lapa, pedir uma cerveja e deixar as idéias fluírem. O garçom demorou uma eternidade pra me atender e, além da cerveja, também pedi guardanapos pra escrever. Ele deve ter imaginado que eu escreveria reclamações sobre ele para o gerente. Mas ele logo percebeu que eu estava escrevendo demais pra uma simples reclamação de mau atendimento.

Todo mundo no bar olhava pra mim. Primeiro, porque eu era uma mulher sozinha, sentada e bebendo cerveja. Como se só homem pudesse fazer isso. E, segundo, que eu não parava de rabiscar mais e mais guardanapos. Excêntrico, no mínimo. Deu pra rabiscar um bocado enquanto o "homi" não chegava do trabalho. Quando chegou e leu os meus rabiscos, ele fez comentários pertinentes. Mas eu já estava mais preocupada com a cerveja a essa altura. Deixei pra avaliar os comentários dele em outro momento.

Depois do episódio do bar, em algum dos dias que se seguiram, defini um cronograma: decidiria a idéia até o final-de-semana, montaria a arte no comecinho da semana e levaria pra gráfica na quarta-feira. Depois de tantas idéias, usei a estratégia de eliminação para chegar à definitiva. Eliminei os clichês, as óbvias e as fracas. Sobrou apenas uma, mas eu não estava muito segura. A essa altura, eu já estava com uma faringite do capiroto e já estava perdendo mais aulas do que o habitual. Não só na faculdade, como nos cursos em que eu tô matriculada.

Resolvi trabalhar com o conceito do profeta Gentileza porque, primeiramente, é uma mensagem muito bonita, interessante e que se popularizou muito nos últimos tempos, graças à massificação das camisetas com a inscrição "GENTILEZA GERA GENTILEZA". Generalizando, os consumidores dessa estampa são basicamente pessoas cultas, pessoas que possivelmente se envolveriam com projetos culturais e de terceiro setor. Curiosamente, meu público-alvo.

Na noite de segunda-feira, abri o Photoshop. Pois é, trabalho no Photoshop. Já tá passando da hora de aprender de uma vez por todas a usar Illustrator, Corel e afins. Mas dessa vez não tive como fugir e fui à caça de imagens de muros, numa tentativa de reproduzir uma parede pintada pelo profeta. Depois de horas escurecendo a parede pra simular a poluição, percebi que tava muito dark. Pra clarear, usei fotos do cliente nas laterais, já que o gif que eu arrumei do "gentileza gera gentileza" ocupava o centro. Uma das minhas anotações sobre a possibilidade de usar fotos era a seguinte: "talvez seja melhor não usar as fotos... é cafona".

A essa altura, mandei mais ou menos isso pra um amigo que cursa Desenho Industrial:



"Me ajuda a salvar isso da breguice!"

O "futuro" substituiu o segundo "gentileza" porque era o caminho natural do raciocínio. Calhou do "homi" fazer essa associação de palavras mais rápido que eu. Era a palavra perfeita, fato. Só não sei quanto tempo eu teria levado pra encontrá-la sozinha. Foi assim que constatei que jornalistas são bons com essa coisa de palavras.

O amigo designer questionou vários pontos e eu percebi onde estavam as falhas. "Por que você usou esse fundo escuro?" me levou a deletar o tal do fundo da parede. E antes mesmo que ele questionasse, eu mesma ocultei as layers das fotos. Achei o fundo branco muito clean e fui tratar de preencher o vazio. Ele ajudou, me passando imagens esquisitas de exames de cérebro. Ninguém notou, mas elas entraram no fundo, quase transparentes. Aí concluí que o efeito era legal: "parece um mapa"! E fui buscar um mapa de verdade no Google, que foi estrategicamente misturado às manchas de cérebro do fundo. Satisfeita com o efeito do fundo, fui tratar da tipografia.

Como nenhuma fonte disponível prestava, fui baixar fontes no DaFont. Alguns testes depois, concluí que a cor ideal era um cinza escuro. O trabalho tava clarinho demais pra ter um texto preto. Encontrei uma fonte que me passou uma sensação agradável e, depois de algum dilema interno, optei pelo "Conheça e Colabore" (os dois verbos com letra maiúscula, pra ficar simétrico). Não fiquei totalmente satisfeita com isso, mas o "colabore" com inicial minúscula me irritava profundamente. E preparei a peça pra mandar pra gráfica. Como tinha sobrado um tempinho, resolvi investir numa idéia que surgiu repentinamente, sei lá da onde.

Desisti no seguinte ponto:



"Ah, não! Tô viajando!"

Levei a arte final na primeira gráfica que passou na frente. A moça que me atendeu estava com um crachá "TREINAMENTO" e foi atrás do gerente quando meu ouviu falar que a peça era um busdoor. Uns dez minutos depois, ela veio me avisar que eles não fazem nada tão grande. Só aí que ela foi entender que era apenas um trabalho e que as proporções não eram reais. Aí eu perguntei pra ela se ficaria legal o efeito de fundo, com as manchas clarinhas, se sairia bem na impressão. Ela se ofereceu para "consertar o problema das cores do fundo" se eu pagasse pela arte. Nesse momento, quase pulei por cima do balcão. Nem sei como me limitei a dar um fora nela e ponto. Fui embora com o material num envelope. Tratei de sair dali o mais rápido possível e só fui perceber as falhas algum tempo depois, quando parei pra analisar com calma.

Pensei que fossem de autoria da atendente em treinamento, mas quando abri o projeto no PC, percebi que as falhas eram minhas mesmo. O GIF tava com resolução baixa. Acabei tendo que praticamente redesenhar a imagem principal da peça com o mouse. Também precisei fazer uma pequena correção na tipografia do endereço do site. A minha sorte foi que eu decidi ir na gráfica com dois dias de vantagem. Deu tempo de consertar e ter o material certo no dia da deadline. Porém, minha faringite tinha piorado e eu estava tão insegura que quase desisti de ir até a Urca só pra imprimir a versão final e me inscrever. O "homi" me aconselhou a ir e eu segui o conselho meio que no piloto automático. Imprimi a arte final e comprei o material da prancha no Rio Sul. Aí segui pras mesinhas da faculdade de Economia, pra cortar, colar e preencher ficha de inscrição.

Done! Fui tratar de me recuperar da faringite, mas não deu muito certo. Acompanhei a divulgação do shortlist pela internet, porque não tava dando pra ir pra faculdade. Muita dor de garganta, tosse e catarro. Perdi a venda de ingressos do Interseção e a maioria dos dias do evento. Uma pena, porque é um ótimo evento. Quando tentei comprar o ingresso para o último dia, o dia da divulgação dos vencedores, descobri que estavam esgotados. Mas eu era finalista e estaria lá nem que fosse pra acompanhar do lado de fora!

Chegou o dia tão esperado. O xarope, além de me deixar grogue, me deixou com a cara cheia de espinhas. Horrível! Consegui o ingresso e sentei sozinha, num cantinho. As mãos suavam. A sensação que eu tinha era de que o momento da premiação não chegaria nunca. Por mais que eu não estivesse satisfeita com a arte final, eu sabia que o conceito era bom. Foram quatro horas de tortura até anunciarem a premiação. Exibiram o 3º colocado e chamaram os responsáveis por ele. Não era o meu. Exibiram o 2º. Não era o meu. Foi aí que começou a anacronia.

Uma das minhas primeiras idéias no dia do boteco foi o título "anúncio premiado". Não sei o que meu cérebro processou primeiro, se foi o meu nome ou se foi a imagem:



Eu não sei como me comportar nessas ocasiões. Não sei que cara fazer, o que dizer, ou sei lá. Não tenho esse talento social. Peguei meu prêmio e voltei correndo pro meu lugar, lamentando não ter a opção de fazer isso por baixo do chão. Ganhei uma bolsa num curso que eu realmente precisava fazer. Finalmente vou aprender a usar o Corel e o Illustrator. A plaquinha também é uma gracinha e... Bom, quando eu tiver uma conclusão, juro que aviso a vocês. Ainda tô no susto.

(E na tosse.)

Baseado em fatos reais