A história do prêmio
Sou uma aluna possivelmente com fama de turista. Ando um pouco desmotivada com a faculdade, com a impressão de que tudo seria facilmente resolvido em menos de um ano, mas que eles insistem em prender a gente lá por 4 anos (ou mais) por puro sadismo. Tudo bem. Acho que até poderia conviver com isso se não fosse pela presença obrigatória. É como se eles partissem do pressuposto de que seria impossível adquirir o conteúdo atribuído ao curso em qualquer outra fonte. Discordo, mas OK. Vou continuar me esforçando pra criar o hábito de dormir cedo e acordar cedo, e cursar meu bacharelado em Publicidade e Propaganda decentemente.
Aí apareceu o ECOPRESS na caixa de entrada, o tal do jornalzinho-spam que a gente sempre recebe, falando que as inscrições pro Prêmio Cid Pacheco estavam abertas. Eu tinha ouvido algum comentário sobre isso na faculdade, mas não me empolguei muito. Quando descobri que não precisava participar em dupla, me animei um pouco mais. É meio complicado trabalhar com outras pessoas quando existe uma barreira chamada DISTÂNCIA. E confesso que também não gosto de trabalhar com pessoas com as quais não rola muita empatia.
A partir da decisão de participar do prêmio, passei a visitar diariamente a página que disponibilizava o briefing, para assimilar os detalhes que eram exigidos e direcionar melhor os futuros brainstormings. Passei a anotar qualquer idéia ou associação no bloquinho que eu uso pra desorganizar as minhas anotações das aulas.
Faltando uma semana e meia pro deadline, aproveitei um tempinho que sobrou pra sentar no Arco-Íris da Lapa, pedir uma cerveja e deixar as idéias fluírem. O garçom demorou uma eternidade pra me atender e, além da cerveja, também pedi guardanapos pra escrever. Ele deve ter imaginado que eu escreveria reclamações sobre ele para o gerente. Mas ele logo percebeu que eu estava escrevendo demais pra uma simples reclamação de mau atendimento.
Todo mundo no bar olhava pra mim. Primeiro, porque eu era uma mulher sozinha, sentada e bebendo cerveja. Como se só homem pudesse fazer isso. E, segundo, que eu não parava de rabiscar mais e mais guardanapos. Excêntrico, no mínimo. Deu pra rabiscar um bocado enquanto o "homi" não chegava do trabalho. Quando chegou e leu os meus rabiscos, ele fez comentários pertinentes. Mas eu já estava mais preocupada com a cerveja a essa altura. Deixei pra avaliar os comentários dele em outro momento.
Depois do episódio do bar, em algum dos dias que se seguiram, defini um cronograma: decidiria a idéia até o final-de-semana, montaria a arte no comecinho da semana e levaria pra gráfica na quarta-feira. Depois de tantas idéias, usei a estratégia de eliminação para chegar à definitiva. Eliminei os clichês, as óbvias e as fracas. Sobrou apenas uma, mas eu não estava muito segura. A essa altura, eu já estava com uma faringite do capiroto e já estava perdendo mais aulas do que o habitual. Não só na faculdade, como nos cursos em que eu tô matriculada.
Resolvi trabalhar com o conceito do profeta Gentileza porque, primeiramente, é uma mensagem muito bonita, interessante e que se popularizou muito nos últimos tempos, graças à massificação das camisetas com a inscrição "GENTILEZA GERA GENTILEZA". Generalizando, os consumidores dessa estampa são basicamente pessoas cultas, pessoas que possivelmente se envolveriam com projetos culturais e de terceiro setor. Curiosamente, meu público-alvo.
Na noite de segunda-feira, abri o Photoshop. Pois é, trabalho no Photoshop. Já tá passando da hora de aprender de uma vez por todas a usar Illustrator, Corel e afins. Mas dessa vez não tive como fugir e fui à caça de imagens de muros, numa tentativa de reproduzir uma parede pintada pelo profeta. Depois de horas escurecendo a parede pra simular a poluição, percebi que tava muito dark. Pra clarear, usei fotos do cliente nas laterais, já que o gif que eu arrumei do "gentileza gera gentileza" ocupava o centro. Uma das minhas anotações sobre a possibilidade de usar fotos era a seguinte: "talvez seja melhor não usar as fotos... é cafona".
A essa altura, mandei mais ou menos isso pra um amigo que cursa Desenho Industrial:
"Me ajuda a salvar isso da breguice!"
O "futuro" substituiu o segundo "gentileza" porque era o caminho natural do raciocínio. Calhou do "homi" fazer essa associação de palavras mais rápido que eu. Era a palavra perfeita, fato. Só não sei quanto tempo eu teria levado pra encontrá-la sozinha. Foi assim que constatei que jornalistas são bons com essa coisa de palavras.
O amigo designer questionou vários pontos e eu percebi onde estavam as falhas. "Por que você usou esse fundo escuro?" me levou a deletar o tal do fundo da parede. E antes mesmo que ele questionasse, eu mesma ocultei as layers das fotos. Achei o fundo branco muito clean e fui tratar de preencher o vazio. Ele ajudou, me passando imagens esquisitas de exames de cérebro. Ninguém notou, mas elas entraram no fundo, quase transparentes. Aí concluí que o efeito era legal: "parece um mapa"! E fui buscar um mapa de verdade no Google, que foi estrategicamente misturado às manchas de cérebro do fundo. Satisfeita com o efeito do fundo, fui tratar da tipografia.
Como nenhuma fonte disponível prestava, fui baixar fontes no DaFont. Alguns testes depois, concluí que a cor ideal era um cinza escuro. O trabalho tava clarinho demais pra ter um texto preto. Encontrei uma fonte que me passou uma sensação agradável e, depois de algum dilema interno, optei pelo "Conheça e Colabore" (os dois verbos com letra maiúscula, pra ficar simétrico). Não fiquei totalmente satisfeita com isso, mas o "colabore" com inicial minúscula me irritava profundamente. E preparei a peça pra mandar pra gráfica. Como tinha sobrado um tempinho, resolvi investir numa idéia que surgiu repentinamente, sei lá da onde.
Desisti no seguinte ponto:
"Ah, não! Tô viajando!"
Levei a arte final na primeira gráfica que passou na frente. A moça que me atendeu estava com um crachá "TREINAMENTO" e foi atrás do gerente quando meu ouviu falar que a peça era um busdoor. Uns dez minutos depois, ela veio me avisar que eles não fazem nada tão grande. Só aí que ela foi entender que era apenas um trabalho e que as proporções não eram reais. Aí eu perguntei pra ela se ficaria legal o efeito de fundo, com as manchas clarinhas, se sairia bem na impressão. Ela se ofereceu para "consertar o problema das cores do fundo" se eu pagasse pela arte. Nesse momento, quase pulei por cima do balcão. Nem sei como me limitei a dar um fora nela e ponto. Fui embora com o material num envelope. Tratei de sair dali o mais rápido possível e só fui perceber as falhas algum tempo depois, quando parei pra analisar com calma.
Pensei que fossem de autoria da atendente em treinamento, mas quando abri o projeto no PC, percebi que as falhas eram minhas mesmo. O GIF tava com resolução baixa. Acabei tendo que praticamente redesenhar a imagem principal da peça com o mouse. Também precisei fazer uma pequena correção na tipografia do endereço do site. A minha sorte foi que eu decidi ir na gráfica com dois dias de vantagem. Deu tempo de consertar e ter o material certo no dia da deadline. Porém, minha faringite tinha piorado e eu estava tão insegura que quase desisti de ir até a Urca só pra imprimir a versão final e me inscrever. O "homi" me aconselhou a ir e eu segui o conselho meio que no piloto automático. Imprimi a arte final e comprei o material da prancha no Rio Sul. Aí segui pras mesinhas da faculdade de Economia, pra cortar, colar e preencher ficha de inscrição.
Done! Fui tratar de me recuperar da faringite, mas não deu muito certo. Acompanhei a divulgação do shortlist pela internet, porque não tava dando pra ir pra faculdade. Muita dor de garganta, tosse e catarro. Perdi a venda de ingressos do Interseção e a maioria dos dias do evento. Uma pena, porque é um ótimo evento. Quando tentei comprar o ingresso para o último dia, o dia da divulgação dos vencedores, descobri que estavam esgotados. Mas eu era finalista e estaria lá nem que fosse pra acompanhar do lado de fora!
Chegou o dia tão esperado. O xarope, além de me deixar grogue, me deixou com a cara cheia de espinhas. Horrível! Consegui o ingresso e sentei sozinha, num cantinho. As mãos suavam. A sensação que eu tinha era de que o momento da premiação não chegaria nunca. Por mais que eu não estivesse satisfeita com a arte final, eu sabia que o conceito era bom. Foram quatro horas de tortura até anunciarem a premiação. Exibiram o 3º colocado e chamaram os responsáveis por ele. Não era o meu. Exibiram o 2º. Não era o meu. Foi aí que começou a anacronia.
Uma das minhas primeiras idéias no dia do boteco foi o título "anúncio premiado". Não sei o que meu cérebro processou primeiro, se foi o meu nome ou se foi a imagem:
Eu não sei como me comportar nessas ocasiões. Não sei que cara fazer, o que dizer, ou sei lá. Não tenho esse talento social. Peguei meu prêmio e voltei correndo pro meu lugar, lamentando não ter a opção de fazer isso por baixo do chão. Ganhei uma bolsa num curso que eu realmente precisava fazer. Finalmente vou aprender a usar o Corel e o Illustrator. A plaquinha também é uma gracinha e... Bom, quando eu tiver uma conclusão, juro que aviso a vocês. Ainda tô no susto.
(E na tosse.)
Baseado em fatos reais